quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Alistamento

Dia 4, terça-feira última, às 7 horas e 20 minutos da manhã eu estava na rua coronel Bento Martins, esquina com a Siqueira Campos, pra cumprir mais uma etapa do martírio a que são sujeitos todos os homens brasileiros no ano em que completam 18 anos. Sim, o alistamento militar obrigatório. Uma linda demonstração de patriotismo (a solução para o Brasil, segundo alguns), sendo que esta etapa que descrevo, o juramento à bandeira, é a mais simbólica.


Não satisfeitos em te fazer perder compromissos e se deslocar até o centro antes das 8 da manhã, os militares ainda acham necessário dar uma dose extra-forte de chá-de-banco sem ao menos te dar o banco. Chego lá às 7:25 (era para ser às 8, mas cheguei antes para me livrar antes - ledo engano). Às 8 subimos para um ginásio e esperamos.


Tivemos de esperar sentados no chão até as 9, quando eles trouxeram os aparelhos de som e instrumentos (sim, porque eles não podem já deixar tudo separado de antemão, assim como não podem tocar as marchas no som, tem que ser tudo ao vivo). Aí eles nos posicionam de forma a satisfazer mais uma maldita mania de militar que é a ordem extrema. Não satisfeitos somente com filas, eles têm que te fazer calcular a distância lateral e frontal entre ti e o cara da frente e o do lado, então contam o número ideal de tábuas entre as filas e depois organizam as filas cabeça à cabeça e os excedentes são posicionados em outras filas. Mais uns 30 minutos nisso. O detalhismo constante é extremamente irritante. É impressionante perceber como eles simplesmente pensam que ninguém tem mais nenhum compromisso, trabalho, colégio, faculdade, nada. Todo mundo tem a manhã toda disponível.


A coisa que mais me ofende é a incapacidade de perceber que os jovens que estão se alistando são civis, e a maioria não quer deixar de ser. Todos são tratados como recrutas, recebem comandos como se fossem recrutas, e isso é um desrespeito horrível. Isso se percebe tanto em pequenas (por exemplo, chamar os jovens de "agrupamento") como em grandes demonstrações (por exemplo, nos ensinar posições de "descansar" e "sentido"), assim como não se faz presente só nessa etapa, no exame médico é a mesma coisa, embora deva ficar claro que, como em qualquer lugar, existem profissionais e profissionais. Alguns militares me trataram de forma muito boa e respeitosa. O problema é o processo como um todo.


Depois de uns 20 minutos de ensaios das posições de sentido e descansar e do juramento em si (primeiro tu faz todo o juramento ensaiando, é bom aproveitar pra ver o que tu tá sendo obrigado a jurar), vem o definitivo. Um parênteses: é interessante de notar que o exército se mostra um pouco misógino, na medida em que só homens são obrigados a fazer juramento e a servir. Mulheres não devem ser patriotas? Mas esse é dos males o menor.
Uma das coisas que tu juras é que vais defender com a própria a vida a tua pátria, se necessário. Que coisa linda isso. Morrer matando pessoas que nem sabem porque estão lutando, que são pessoas iguais a ti, mas nasceram em outro lugar. É disso que nós precisamos mesmo, patriotismo. Não sei por que a violência anda tão alta no Brasil, afinal todos os jovens juram à bandeira. Não deve ser a má distribuição de renda e anos de políticas direcionadas às elites, não não. Isso é papo de anarquista. O que falta é amor à pátria. Como querem que exista paz entre as nações se nas bases de tudo já te é ensinado que a tua pátria é melhor que as outras, e que tu deves matar e morrer em favor dela, e danem-se as outras pessoas e pensamentos em contrário?
Se querem mesmo defender o Brasil, poderiam fazer alistamento voluntário, ganhar o tempo que hoje é perdido com toda essa incomodação e fazer algo de útil. Na maior parte do tempo, porém, eles preferem perpetuar a amada burocracia militar e dar ordens a torto e a direito.
Tem gente que acredita que se o mendigo amar sua pátria, talvez consiga algo para comer. Que o amor à bandeira pode fazer o tráfico parar. Que se a criança que trabalha 14 horas por dia cortando cana souber o hino nacional de cor, talvez consiga um futuro melhor. No dia em que soubermos romper as fronteiras do nacionalismo e ufanismo infantis (não devem ser confundidos com cultura e tradições nacionais e locais), também romperemos fronteiras de solidariedade e amor ao próximo, e veremos que somos todos, afinal, humanos.

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4 Comentários:

Às 11 de setembro de 2007 às 13:17 , Blogger Com Gás - 500ml de Conteúdo disse...

E ainda falam em democracia.



bruno

 
Às 11 de setembro de 2007 às 17:08 , Blogger Jornalistas disse...

e isso que tu não teve que passar por todas as etapas!

eu deveria ter levado minha bombinha de asma...

 
Às 11 de setembro de 2007 às 17:20 , Blogger Ubitec disse...

Couto, isso é o que eu sempre penso!

 
Às 12 de setembro de 2007 às 19:03 , Blogger Ana Luiza Bitencourt disse...

pelo menos por isso eu não tenho que passar...
mas me solidarizo com vocês e compartilho da mesma opinião quanto ao patriotismo voluntário ;)



até!

 

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